Ficar sem algo que seu corpo, sua mente, suas ações, seus desejos se alimentam para existir, quem aguenta?
Ação de abster, de se privar de alguma coisa. Achei este significado para a palavra abstinência num desses tantos dicionários que se procura na internet e que facilitam por demais a vida de uma escritora.
Então?
Aguenta ficar sem comer o que mais gosta?
Aguenta ficar sem seu cafezinho pela manhã, à tarde ou à noite?
Aguenta ficar sem a balada no fim de semana ou do banho de mar pra tirar a zica?
O médico suplicou: “pare com o açúcar, com o carboidrato, com o álcool, com o cigarro, com o sedentarismo …”
Difícil se privar daquilo que se constrói dependência? Praticamente impossível. Mas o fato é que o fim existe e um dia ele chega.
Dizem que a dependência é uma ilusão, que não leva a lugar nenhum, que você vai ficar bem melhor sem ela, que você tem que investir na sua autossuficiência , que a libertação é que vai te fazer feliz.
Mas quem quer a felicidade, se aquele seriado da Netflix está acabando?
Sério, na tentativa de não me abster do Merlí, comecei – antes da última temporada – a reassitir a T1 E1. Confesso que me empolguei com o conceito de reprise, que a ideia me pareceu bem eficiente. Afinal, quem clica no seriado sou eu, quem clica na temporada sou eu, quem clica no episódio sou eu. Tenho o poder de nunca me abster desse fim. Que por sinal é praticamente uma tragédia, quem quer chegar ao final do seriado favorito? Sim, por que aquele que está para acabar é sempre o favorito. Mas claro, entendo que se queira chegar ao fim da história, saber como tudo acaba, mas com certeza não se quer chegar ao final do seriado. Fim da história e fim do seriado são coisas diferentes, me entende?
Em se tratando daqueles seriados que nunca chegam ao fim da história a sensação de abstinência que causam é ainda maior. Saber que você só vai tomar pé da continuação da sexta temporada de House of Card no ano que vem pode te dar impaciência, fazer você ser grosso com a esposa, ter tique nervoso e até depressão. Sim, crise de abstenção é coisa grave, dói no corpo e na alma.
O remédio?
Já tentei alguns. Como eu disse, esperancei-me de que rever o seriado me traria o poder da eternidade. Tola ilusão. Seriado não é como um filme ou um documentário, que se vê numa tacada só. E depois tudo bem jogar de novo. Sei lá o que acontece com os seriados. Talvez a resposta esteja na própria palavra. Não estou falando da etimologia, mas do sinônimo. Seriado = Enumerado. Um capítulo depois do outro. A expectativa da espera do que vem a seguir só da uma vez. Com dejavu não tem graça.
Esquece, o remédio de assistir ao mesmo seriado não funciona. Tenho outra dica, porém, de grande desafio aos mais ansiosos. Tente assistir um episódio por dia, pule sábados e domingos, ou mesmo assista um dia sim um dia não. Não aguenta? To pedindo demais? Você vai ao final da temporada em uma noite? É, estes remédios não te servem.
Já sei! Então, quando começar a sentir os sintomas de abstinência, procure pela dependência de um novo seriado. Afinal, quem precisa de autossuficiência?